“Eu gosto de meninos e meninas”
De volta com um novo CD após três anos de sumiço, o cantor baiano diz que se considera bissexual, conta as experiências que teve com drogas e admite que usa botox
Valmir Moratelli
QUEM: Por que você deu uma parada?
NETINHO: Parei por dois anos e oito meses. Decidi parar pouco antes de 2005. Estava sem saco para viajar, trabalhar, não queria fazer shows, estava angustiado. Me chamaram de louco, mas não tinha escolha. Foi um processo tão violento, não sei se estaria vivo para dar esta entrevista. Parar foi uma das coisas mais importantes que fiz na vida. Agora trabalho o equilíbrio curtindo a vida. Só fui saber o que é fazer churrasco para os amigos há alguns anos. Tinha tudo o que o sucesso pode dar, mas me sentia vazio.
QUEM: Como deixou essa angústia tomar conta de você?
N: Quando você chega a um nível de sucesso, perde a noção das coisas. Estava conversando com Ivete Sangalo sobre isso, e reafirmei esse pensamento. O artista não tem noção do que é sua vida quando está no auge. Eu vivia amarelo, não tomava sol, me sentia feio, não queria ver ninguém, desmarcava vários programas de TV. A Hebe foi uma das pessoas que ficou chateada comigo. Eu não gostava de mim, não estava a fim de aparecer.
QUEM: É fácil parar de trabalhar quando se tem muito dinheiro, não?
N: Talvez. Não pensei por esse lado. Saí de casa aos 16 anos e tudo o que eu tenho construí sozinho. Não quis dinheiro do meu pai. Não tive infância pobre, meu pai não aceitava que a gente andasse descalço. Mas “nada como viver” (aponta para a frase tatuada no braço direito). Sucesso não vale muita coisa. Tomando banho de piscina com meu ex-empresário, contei a ele que queria parar. Falei: “Que nenhum fã saiba disso, mas tudo que conquistei na música em nada me acrescenta como pessoa”. É tudo pó. Meus discos de ouro, platina, diamante não representam nada. O bem maior que eu tenho é o que proporciono às pessoas.
QUEM: Como seus fãs reagiram?
N: Fiquei nove meses fora do Brasil, entre Londres e Barcelona, para não ver a reação do público. Sei que machuquei muita gente com a decisão de parar, porque o ídolo toma uma dimensão na vida do fã que muitas vezes não sabe. Eu negava autógrafo, negava foto, só pela angústia de não querer ser reconhecido.
QUEM: Como se recuperou?
N: Sozinho. Não tenho religião, sou contra análise. Sou canceriano, não vivo sem momentos de solidão. É quando mais cresço. Namorada, família não entendem isso. Meus irmãos falavam para minha mãe: “Netinho vai se matar”. E ela: “Isso vai passar”.
QUEM: O que leva a crer que a angústia não voltará?
N: Aos 42 anos, vivo a fase mais feliz da minha vida. Isso se deve mais a meu lado pessoal do que profissional. Estou feliz demais, apaixonado, vendo tudo colorido, estou com uma mulher há um mês e meio, vivendo muitas coisas pela primeira vez. Não perco mais uma rave na vida. Sou o cara que mais dança nas raves, sou o último a sair. Ainda levo o som para o quarto e continuo a rave no hotel. Nunca tinha feito isso.
QUEM: Quantas plásticas você já fez?
N: Fiz duas no nariz, por causa de uma cicatriz. Coloco botox há dois anos e sou viciado em malhação. Adoro ficar malhado para o Carnaval.
QUEM: Já tomou anabolizantes?
N: Já, sim, uma vez. Já viu que sou verdadeiro, né? Tudo que você perguntar eu respondo. Não gostei dos anabolizantes, porque perdi movimentos, o braço não levantava, me sentia pesado. Fiquei com o pescoço horrível. Tomei por decisão própria, aquela coisa de academia. Você começa a malhar e não sai mais da frente do espelho. Passei do limite. Mas não fiquei com seqüela. Nada de cabelo cair, impotência... Tenho voz aguda, nem ficou mais grave.
QUEM: Tem medo de envelhecer?
N: Não tenho problema com idade, sou um moleque. Você precisa me ver numa rave. A última foi em Sauípe, três dias de rave, há quase um mês.
QUEM: Já usou droga nessas raves?
N: Já usei drogas em rave, sim. A experiência foi maravilhosa. Nessa vida a gente tem que provar de tudo, desde que tenha vontade e ache que não vai passar daquilo. A primeira vez que provei foi em Portugal. Foi uma experiência terrível, fiquei louco. Nunca cheirei, só passei cocaína aqui (alisa a gengiva). Não uso porque sei de experiências de pessoas que caíram mortas. Sou ativo, não preciso disso para me divertir. Maconha odeio. Para ficar acordado por muito tempo, basta eu beber energético e vodca. Já misturei álcool com ecstasy. Mas ultimamente só tomo vodca com energético. Meu último porre foi em Sauípe. Sou movido a felicidade.
QUEM: Em 2006, você gravou a música “Tá Bom”, incluída nesse novo CD. É uma letra com referência a homossexuais?
N: Não tinha uma música específica para o Carnaval, quando compus essa letra com Carlinhos Brown. E deu uma polêmica enorme, porque fala “menino com menino, menina com menina”. Acho isso uma bobagem, não entendi o tititi. Não era nossa idéia levantar bandeira. Mas é uma música com referência ao homossexualismo, sim.
QUEM: Já teve alguma experiência?
N: Já tive experiência homossexual. Foi há algum tempo, foi interessante. É a filosofia de que devemos passar por tudo na vida. Deus é energia, quando a gente morre é escuro total. Morreu, acabou. A oportunidade é agora. Não dá para deixar nada para depois.
QUEM: Quanto tempo durou essa relação?
N: Três anos, mas não foi com famoso. Não gosto de famoso (risos). Sou anti-Netinho, sou contra essa coisa que cerca o personagem. Não chegamos a morar juntos, não dá certo. Tem que ser cada um no seu canto. O mundo caminha para o individualismo.
QUEM: Você tem uma filha de 10 anos e disse que está namorando uma mulher. Considera-se bissexual?
N: Eu gosto de meninos e meninas, mas hoje gosto mais de meninas. Eu me considero bissexual. Essa relação com um homem foi uma experiência que ficou no passado, linda inclusive.
QUEM: Mudando de assunto, como avalia a música baiana atual?
N: Está numa fase excelente, retomando o espaço que perdeu. Comecei com Cheiro de Amor, Banda Eva, Daniela Mercury, Asa de Águia... Nossas músicas falavam das belezas de Salvador. Aí, há uns oito anos, a música passou pela sua pior fase, quando o pagode baiano da periferia dominou o espaço, explodindo músicas de duplo sentido, como “Boquinha da Garrafa’, “Rala o Pinto”... Isso denegriu a música baiana em nível nacional. Isso é uma avaliação técnica, respeito o trabalho do É o Tchan e de todo mundo.
QUEM: Você nunca cantou pagode baiano nos shows?
N: Tem algumas músicas que eu canto, mas nunca “Boquinha da Garrafa”. O pessoal de Salvador até me olha atravessado, mas deixo minha opinião bem colocada. Eu me sinto herdeiro dos herdeiros do Caymmi, sou herdeiro dos tropicalistas. Matava aula para ir ver Caetano cantar.