quinta-feira, 8 de maio de 2008

08/05/2008 - 03h22

Netinho comenta o "encontro" de Ronaldo com travestis

Foto: Anderson Christian/divulgação
Cantor escreveu um reflexivo texto sobre o assunto em seu blog
Cantor escreveu um reflexivo texto sobre o assunto em seu blog



Apesar de estar vivendo um momento profissional bastante ruim, há alguns dias o jogador Ronaldo "Fenômeno" voltou a ser o centro das atenções em todo o país e até em alguns lugares do mundo devido ao seu "encontro" com três travestis em um motel no Rio de Janeiro.

De esportista e cidadão admirado nos cinco cantos do Planeta, Ronaldo virou motivo de chacota e piada.

Sensibilizado com a enorme repercussão do polêmico caso, o cantor Netinho escreveu um belo e reflexivo texto sobre o assunto em seu blog oficial.

Ronaldo: carpe diem e hipocrisia

Já havia começado a escrever este texto para o blog há alguns dias, mas confesso que alimentava a esperança de ouvir alguma explicação do próprio Ronaldo.

Assisti ontem (domingo - 04/05) uma entrevista com ele falando sobre o ocorrido. Assisti o seu pedido de desculpas e todo o seu relato da controversa e polêmica história.

Penso que fiquei mais fã ainda do Ronaldo. Não ainda mais fã do jogador, mas do ser humano Ronaldo. O que aconteceu com ele naquele motel lá no Rio de Janeiro foi lamentável.

Lamentável pela exposição do fato em si, mas penso que Ronaldo está certo.

"Fiz uma grande besteira na minha vida pessoal. Todos nós estamos sujeitos a errar. Eu cometi um grande erro de buscar este programa (de sair com travestis). No local comprovei que se tratavam de travestis e tentei voltar para casa, arrependido, de ter feito aquela escolha. Mas não consegui e começou a extorsão."

As circunstâncias que envolvem esta história ainda não são claras pra mim e penso que ele deveria ter tido mais cuidado com o que fez.
Sabemos que esta tarefa hoje em dia é muito difícil para uma pessoa pública, pois a mídia é invasiva e os paparazzi estão sempre de plantão.

A sua falta de cuidado sem dúvida irá gerar um preço que ele terá que pagar. Terá que assumir isso. Aceitar que a Nike retire seu patrocínio vitalício; que o UNICEF retire seu cargo de embaixador da boa vontade; que muitos fãs o critiquem, o que puder surgir. O preço poderá ser alto!

Apesar de tudo, não culpo Ronaldo pelo que fez, muito pelo contrário. Só acho, repito, que ele deveria ter sido mais cuidadoso.
É engraçado ver nesse momento como a hipocrisia da maioria o condena. Essa gente se esconde por trás das suas máscaras e "desce a madeira".

Precisamos perceber que fatalidades como esta que aconteceu com o fenômeno acontecem a todo instante com qualquer pessoa e ninguém fica sabendo.

Todos nós estamos sujeitos a isso. Pessoas públicas ou não.

Não quero discutir aqui se Ronaldo desejou estar num motel com travestis, se foi um engano, se queria realmente se drogar naquela noite. Não tenho nada a ver com a vida dele ou de qualquer pessoa.

Não me interessa o que ele ou qualquer pessoa faz da sua vida particular. Ele é maior de idade, já tem há muito os seus conceitos formados e sabe o que faz com ele mesmo. Falo aqui sobre a minha própria vida.

O que me chamou a atenção nesse bafafá todo foi algo que frequentemente orbita os meus pensamentos: A linha delicada que delineia os atos, os desejos e as ações de uma pessoa pública já que ela sempre precisa dividir tudo isso entre o que vai a público e o que fica privado.

Ronaldo está certo quando atende os seus anseios, as suas fantasias, os seus fetiches. Antes de ser uma pessoa pública, ele é uma PESSOA, um ser humano como qualquer outro.

O que me surpreendeu em sua entrevista foi exatamente isso. Ele disse que o ocorrido serviu para aproximá-lo mais das pessoas.
Serviu para mostrar a todos que ele é bem maior, mais amplo e interessante do que o mito Ronaldo. Serviu para mostrar que ele também é um ser humano e como tal tem suas fraquezas, sua fragilidade.

Sei exatamente do que ele está falando. A mitificação que é criada em torno de uma pessoa pública é algo que incomoda bastante pois esta imagem criada não é exatamente o que somos na realidade. O que as pessoas passam a admirar é um personagem criado por cima de nós.

Por um tempo até gostamos dessa admiração e penso que muitos até gostam de viver assim até o final. Penso, porém, que quando a pessoa pública toma noção exata do que faz, da sua profissão, dos seus encargos em relação ao público e a si mesmo, passa a buscar o reconhecimento também para a pessoa que é. É difícil, leva um tempo para se ter essa noção, mas é possível.

Se isto acontece, começa aí a melhor parte: Quando você consegue observar a pessoa pública de fora dela, quando consegue ter essa visão, tudo muda em seu trabalho. A relação que você passa a ter com o seu ego é outra. Tudo fica mais leve e gostoso.
Vivo essa fase hoje em minha vida.

Trabalho o "Netinho" artista que mora em mim, atendo aos seus anseios, batalho por suas conquistas mas não deixo também de trabalhar na mesma proporção o "Ernesto", o ser humano.

Dessa forma eu passei a viver de fato.

Com o tempo e alguns acontecimentos em minha vida eu percebi que não bastava apenas satisfazer o "artista". Toda a felicidade que eu sentia vinda do meu trabalho como artista não supria as necessidades de felicidade da "pessoa" que eu era.

E como a gente demora para perceber e acreditar nisso!

Como passei muitos anos da minha vida vivendo exclusivamente para o meu trabalho, não lembrava de olhar para o meu próprio umbigo.
Não percebia, portanto, a insatisfação, a carência e o vazio que tomava conta do que eu era como pessoa. Hoje tudo mudou.

Dentro do "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" de Caetano, e do "Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar" de Machado de Assis, eu me completo. Hoje eu tenho o equilíbrio e sou feliz.

Hoje eu sei que há gente (pessoas públicas) que vai morrer sem acreditar nisso, pois entra e encara a realidade fugaz do personagem como a sua, encobrindo assim a insatisfação, a inquietude, a frustração da sua vida pessoal (e não estou dizendo aqui que isto é regra, aconteceu comigo por um tempo).

Muitas vezes não conseguem entender por que têm TUDO e continuam a se sentir insatisfeitas e incompletas. Nesse ponto, correm para as sessões de terapia. Em vão.

Fora o que o artista consegue imprimir e proporcionar à sua audiência, tudo o mais que o cerca é frágil e fugaz. Tudo pode desaparecer com o vento. Acreditar nisso, porém, é uma tarefa árdua.

Na sua entrevista, Ronaldo revelou que também busca hoje este equilíbrio. Busca trazer o ser humano que é para o outro lado da balança que pende apenas para o lado que pesa com o "Ronaldo".

Outra coisa que ele falou e que concordo plenamente: "Quem me conhece sabe quem eu sou e é isso o que importa". Não sei se ele já age assim há algum tempo ou se esta fatalidade o levou a tal caminho.

O fato é que fiquei feliz com suas palavras.
Redação Carnasite